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Imagem: Verziani

Foi apresentado por juristas, sob coordenação do Ministro do Superior Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão o Projeto de Reforma do Código Civil. Trata-se de uma iniciativa que traz propostas relevantes à legislação que rege o nosso Direito das Famílias, incorporando realidades presentes no nosso dia-a-dia na atualidade e que muitas vezes não recebiam a proteção do nosso ordenamento jurídico. O primeiro ponto é justamente a nomenclatura.

A ideia de se ter o “Direito das Famílias”, ao invés do “Direito de Família”, invoca, de forma inclusiva, a pluralidade de modelos de família da nossa atualidade. Dessa forma, o Projeto pretende igualar o tratamento dado às várias formas e estruturas de vínculo familiar, fundamentando-se essencialmente no julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade 4.277 pelo Supremo Tribunal Federal, que proclamou a equalização de tratamento dado às relações advindas de casamento e união estável, inclusive as homoafetivas.

Em primeiro lugar, a proposta pretende extinguir a distinção entre casamento e união estável, inclusive tornando a união estável um novo estado civil. Em segundo lugar, busca incluir, para fins de proteção do nosso ordenamento, as famílias ditas monoparentais (constituídas por um dos pais e seus descendentes, ainda que a filiação seja de natureza socioafetiva). E, em terceiro lugar, pretende reconhecer as chamadas famílias recompostas, ou seja, aquelas com vínculos de parentesco por afinidade, formadas por pessoas advindas de outros relacionamentos, sem, entretanto, excluir encargos do genitor natural.

Vale lembrar que no Brasil, conforme dados da Arpen (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais), entre 2016 e 2023, aproximadamente 5,33% das crianças foram registradas sem o nome do genitor e esse número é crescente. Além disso, de acordo com o IBGE, houve um declínio das relações conjugais formais e aumento expressivo de famílias que se constituem por vínculos não formais. Daí profunda relevância de o Direito acolher todas as famílias formadas socialmente, especialmente para o fim de estabelecer proteção jurídica aos mais vulneráveis.

Sob a ótica do Projeto de Reforma apresentado, as estruturas afetivas de convívio passaram a equiparar-se à família e ter os mesmos direitos e obrigações recíprocos, consolidando, na pessoa dos filhos, o principal foco de preocupação do legislador.

Nessa medida, foi elevado à princípio fundante do Direito das Famílias o Princípio da Responsabilidade Ética do Afeto. Como nos ensinou a professora Maria Berenice Dias,”se o amor não tem limites e mais pessoas assumem os deveres decorrentes do poder familiar, nada justifica deixar de impor obrigações a todos que desempenham tais funções. Passou-se a falar em ética do afeto, transformando o dever de convívio em obrigação de cuidado.”

Com isso, foi dado um passo em relação ao já consagrado Princípio do Afeto, para impor deveres e responsabilidades parentais, tudo a partir dos princípios do melhor interesse da criança e adolescente e da isonomia nas relações conjugais e entre companheiros. Em linhas gerais, a afetividade se constitui como princípio jurídico do direito de família (ou das famílias) e traz como consequência justamente o reconhecimento da “desbiologização” do vínculo parental e do dever de convivência dos pais em relação aos filhos. Além disso, o vínculo socioafetivo tornou-se realidade em nossa Cortes, que passaram a determinar que o reconhecimento espontâneo de filho alheio como próprio gera direitos e obrigações. De acordo com a Ministra Nancy Andrigui do Superior Tribunal de Justiça “amor é faculdade, cuidar é dever”. (STJ, RESP 1.159.242- SP).

Ademais, como se sabe, a família é um meio para a realização do princípio da felicidade, como também para o princípio da busca da autorrealização individual. Ocorre que há um limitador para a tutela do indivíduo, que é o ideal constitucional da solidariedade, inscrito no artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal. É justamente em família que a solidariedade se impõe e, por isso, exige a responsabilidade, cuidado e respeito pelos vínculos.

Por outro lado, há que se reconhecer a importância da nossa jurisprudência na dinamização dos conceitos associados às relações familiares, que passaram a se construir para além dos vínculos meramente biológicos e registrais e dos clássicos institutos do direito de família, reconhecendo direitos e obrigações a todas as famílias, incluindo até as simultâneas, solidárias e poliafetivas.

Então, ao buscar alargar o conceito de família, para o fim de incluir as diversas estruturas e vínculos familiares à proteção do ordenamento jurídico, com vistas essencialmente a proteger crianças e adolescentes, o Projeto de Reforma do Código Civil que se discutiu e pode ter agora o devido encaminhamento legislativo, em especial quanto ao Direito das Famílias, com muita maestria, admite uma concepção inclusiva, dinâmica e especialmente protetiva às Famílias, em suas diversas formas e estruturas.

Por Gabriella Fregni

Fonte: Blog do Fausto Macedo (Estadão)